domingo, 28 de junho de 2009

Das Naves ao Piar das Cotovias




virgínia além mar
Pinceladas, matizes, argamassa do viver ; barro gesso papel marche...
Esculpida em mármore uma alma de aço? Um terço dos véus, eu te conheço?
Tu me esqueces? Já não sou quem era. Enganei-te ? Enganei-me? Inventei um
personagem ? Sou artista meu amigo, ora alegre, ora triste, transvaloro-me ,
reinvento, ultra-passo fendas, muros, aço e braço. Ora eu, ora tu, ora nós, ora entre representações. Vejo como quero, tu me amas como podes. Virando do avesso, das matrizes resta, surfando entre as vagas os devaneios além mar ...
E, lá nave vá entre as vãs filosofias e arroubos de verdades há margens e miragens.
No branco das nuvens esculpimos sonhos, na areia fina castelos de amores infinitos tragados pelo hálito do vento norte. Versos e uma prosa decolam feito alecrim entre foliões dispersos. Leste minhas cartas no começo das estações? Foram folhas de outono, orquídeas de primavera, lágrimas de inverno gélidas descongeladas ao verão Intruso que reviveu-nos em cada uma. De sorte que seguimos resguardados de parcela elementar. Em cada um, tantos rostos se impuseram, olhares não satisfizeram a lacuna que a lua deixou entre as frases. Do silêncio morno e inquieto ressurge um bilhete de passagem. Ao porto ou à tribo retornamos, buscando na história algo que alinhave estrofes e alinhe velas , uma força, fermento do seguir adiante ... Passando por Dali , Fellini os cristais em minhas veias cingem silencio e verbo. Entornado sacramento,entoam sereias odes aos mancebos . Ensurdecemos um pouco demais, ante aos gritos histéricos criamos aspas, como escamas antigas, a proteger –nos dos segredos que tanto queríamos preservar . Com a pele mais fina perdemos o tato e um sol já não nos basta queremos outros, todos astros a nos proteger .
Com nosso alumínio e ferro forramos a atmosfera e blindamos a fera e também o pouco de sinceridade que no ar havia ... Se, estamos perdidos ninguém sabe, pois se acharmos a velha alegria de quando não sabíamos, talvez encontremos uma lágrima verdadeira e só ela o é ante ao belo, ao inocente e ao piar das cotovias ...


sábado, 27 de junho de 2009

Psiu II



Sons da floresta revelam que biodiversidade da Amazônia é muito maior do que se imaginava
...Através dos ouvidos, pesquisadores na Amazônia estão fazendo descobertas sobre a real biodiversidade da floresta amazônica que passaram despercebidas aos olhos de outros cientistas que se dedicaram a estudá-la....

...Estamos descobrindo que, quando há uma diferença de som de um local para outro de uma população da mesma espécie, também há uma diferença genética. O animal é outro- revela Cohn-Haft.-ornitólogo e curador da coleção de aves do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa)

Os muitos cantos da Amazônia -Pesquisadores lançam coleção de CDs com o som de aves do maior bioma brasileiro; ouça amostras Ouça amostras de cantos de aves da coleção Vozes da Amazônia (arquivos em formato MP3) Inhambu-de-cabeça-vermelha (Tinamus major) (504 KB) Garrinchão-coraia (Thryothorus coraya) (2,0 MB) Araçari-negro (Selenidera culik) (800 KB) Anacã (Deroptyus acciptrinus) (929 KB) Formigueiro-ferrugem (Myrmeciza ferruginea) (900 KB) Maú ou pássaro-boi (Perissocephalus tricolor) (1,3 MB)

Realidade -Uma década do sonho VMD

Realidade -Uma década do sonho VMD

virgínia fulber * além mar
A Internet encarregou-se de aproximar o que a vida distanciou geograficamente . novos agenciamentos foram formados e aglutinaram-se em forma de grupos de interesses e afinidades. Foi em um grupo de Literatura que nos reconhecemos e desde mutuamente Vânia Moreira Diniz e eu e desde então não mais nos distanciamos e assim ocorreu com muitos de seus colaboradores . Inicialmente com o Site VMD tivemos seu incentivo de escrever sistematicamente e tornar visível pensasentimentos que são processados,re significados Lacan intensifica a aproximação da escrita à psicoanálise ,ela nos serve de lume e bússula às visões de mundo exterior e sobretudo interior , a letra inscrita no inconsciente não cessa e não quer calar o que falta. Escrever é dar espaço ao significados, possibilitando o escoamento e produzir satisfação , gozo e saber ... Anterior àquilo que se pensava não existir, mas que aí estava anteriormente à visibilidade ; recorrendo ao real imaginário e simbólico de Lacan*.
Entre célebre Poetas e Escritores , agregou Escritores Amadores, Poetas tímidos e não menos talentosos, orientados por sua mente e coração generosos. Vânia não separa íntegra, em tudo que empreende assim como é íntegra em seus passos dando espaço às singularidades, capaz de formar uma unidade , catalizando e pondo-se no lugar do outro, sendo o olhar fundador. Sendo excelente Escritora e Poeta é uma pessoa que sabe cuidar, e promover amizades através da Literatura e de reestruturação de símbolos , imagens e capacidade organizacional surpreendentes, dando espaço ainda à conflitos emergentes a qualquer grupo humano, foi conduzindo-se a sua auto poésis assim como aos membros da equipe. Distribui sua energia por onde passa, divulgando semanalmente seus Boletins de Atualizações, num exercício incansável de divulgação de todos seus colaoradores . São dez anos de convívio que posso chamar de uma nova vida, uma inteiramente nova forma de lidar com os símbolos, palavras e sentimentos.
Transformado em Portal o Sítio VMD , intensificou a produção literária vindo incluir , expandir seus braços e olhares sobre temas pertinentes. A rede de agenciamentos vem agregando-se ao conceito de desterritorialização,Deleuze e Guatarri ,que caracteriza a sociedade pós-moderna em sua mobilidade, marcada pelos fluxos, pelo desenraizamento e pelo hibridismo cultural; desterritórios . Tecer parceiras com Vânia é sempre uma alegria , sua suavidade e compaixão vem arrebanhando Versos, Prosas , vidas. Como uma Senhora dos desertos, a uma década. Vânia disponibiliza em suas Páginas, Canais do Portal Espaço Ecos o desfile de quixotes e sanchos que cavalgam alados, dirimindo silêncios, ânsias de comunicação e dando asas a imaginação na construção de uma sociedade e múltiplas subjetividades . O preconceito tem sido uma das formas mais comuns da crueldade e este
dedica-se Vânia com afinco e coragem . Certa vez li que; a literatura atravessa os desertos ! Creio que estamos atravessando-os e sobretudo deixando-nos atravessar .
Parabéns Vânia escreves desde os cinco anos , teve um pai Psiquiatra e avô democrata que a estimularam e nos incita a fazê-lo, promovendo o descongelamento, desengessamento acadêmico. Que muitas mais linguagens fluam como rios em busca de pertencência ao grande oceano da amizade e de diálogos possíveis. A ti Vânia madrinha, irmã e a todos que acreditaram nos sonhos de tornar visível o invisível , audível o que calava e a a Internet que mudou paradigmas meus sinceros agradecimentos pois que ; Escrever é, necessariamente, forçar a linguagem, a sintaxe, porque a linguagem é a sintaxe, forçar a sintaxe até um certo limite, limite que se pode exprimir de várias maneiras. É tanto o limite que separa a linguagem do silêncio, quanto o limite que separa a linguagem da música, que separa a linguagem de algo que seria... o piar, o piar doloroso.- Gilles Deleuze

Nota* J.Lacan Significante é o que representa o sujeito frente a outro significante (o que é elaborado, o que não estava manifesto a princípio) Os três registros: real, simbólico e imaginário. O real é aquilo que não tem fissuras, não está marcado e portanto é pura indiferenciação impossível de ser apre(e)ndida. A ordem simbólica, graças a seus cortantes elementos constitutivos (os significantes), fura, recorta, o real. O registro do imaginário é o efeito dessa operação de recorte, de perfuração que o simbólico realiza sobre o real. O registro do imaginário é a objetivação do real; o real simbolizado....

quarta-feira, 24 de junho de 2009

regras

Eu aprendi português (se é que posso dizer tal coisa) quando criança, ou seja, quando as regras me eram solenemente impostas. E a nova reforma ortográfica aconteceu num momento da minha vida em que tenho dificuldades para aceitar novas regras (já que eu mesmo, sempre que é possível, produzo as minhas....
até aqui concordo com o chico ! ...Assim, a partir desta data, e em protesto contra as novas regras, passarei a escrever exclusivamente em inglês. Who cares anyway.Francisco Fuchs - em seu blog O Ponto Cinza

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Mulher na gaiola - Luciana Pessanha Pires

Mulher na gaiola

Mulher

De gaiola vestida
Só na gaiola sabe viver
Na gaiola universaliza
Suas dores de clausura e crimes

Sua submissão e dependência
Convertida numa cela

Mulher
Na gaiola animalesca
Nesse obscuro objeto do desejo
...
Sua indiferença
Fossando e fungando
Contida

Mulher

Em artefato construída
Por detrás da fachada
Sua corrente de vida

O tédio, o nojo e o ódio
A sentença de também
Ilhar e prender.

*Luciana Pessanha Pires

domingo, 14 de junho de 2009

Á luz de todas as noites...

Escrivaninha V -

À luz de todas as noites ...

Nos idos de setenta fui tão fã de Bethânia, ainda gosto imensamente da sua voz e principalmente das letras. Ela trouxe-nos Fernando Pessoa que eu declamava com a força dos pulmões no jardim da casa de praia . Da janela do segundo andar recitava para minha mínima platéia; nossa secretária doméstica que ria sem parar com seus dentes muito brancos, Eva deu uma saudades também de ti...

Fui morar em SP e minha irmã ligava e dizia- " hoje ouvi M.Bethânia e lembrei de ti...”

Hoje passando pelo recanto da Letras conheci um escritor que falava do Circo e voltei no tempo. Lembrei-me do disco Drama - Luz da Noite de desta artista ímpar.

Já não sou a mesma embora encontre a quem necessite do despertar que a eterna musa brasileira é capaz.

É incrível o quanto nossa memória é capaz de guardar aquilo que nos afeta verdadeiramente. Felizmente sobrevivi aos tempos da ditadura, quando até para cantar era necessária imensa potência transgressora. Confesso que saí desta fase com arranhões no peito e voz. Mas apesar da gagueira afetiva sarada em termos, e com certa rouquidão, ainda cito de cor alguns versos ...

Eu não sou apenas essa hora -Em que me vês precipitada -Eu não sou senão uma de minhas bocas - Eu sou uma árvore ante o meu cenário ...

Estou também àrvore , com tronco à espera de nova brotação mas como flores temporãs as palavras dedico a alguns contemporâneos que não tiveram minha sorte de nascer em família anarquista;

“Era uma vez, mas eu me lembro como se fosse agora. Eu queria ser trapezista, minha paixão era o trapézio. Me atirar lá do alto na certeza de que alguém segurava-me as mãos, não me deixando cair. Era lindo mas eu morria de medo, tinha medo de tudo quase: cinema, parque de diversão, de circo, ciganos, aquela gente encantada que chegava e seguia.Era disso que eu tinha medo: do que não ficava pra sempre. Era outra vez outro parque, outro circo, ciganos e patinadores. O circo chegou à cidade, era uma tarde de sonhos e eu corri até lá. Os artistas se preparavam nos bastidores para começar o espetáculo e eu entrei no meio deles e falei que queria ser trapezista. Veio falar comigo uma moça do circo que era a domadora, era uma moça bonita, mas era uma moça forte, era uma moçona mesmo. Me olhou, riu um pouco e disse que era muito difícil mas que nada era impossível. Depois veio o palhaço Polly, veio o Topsy, veio Diderlang, que parecia um príncipe, o dono do circo, as crianças, o público... De repente apareceu uma luz lá no alto e todo mundo ficou olhando. A lona do circo tinha sumido e o que eu via era a estrela Dalva no céu aberto.Quando eu cansei de ficar olhando pro alto e fui olhar pras pessoas, só aí eu vi que estava sozinho”. -
Este belíssimo texto é de autoria do dramaturgo Antônio Bivar e abre a faixa número 3 do disco supracitado.

Nesta noite de domingo a temperatura está mais amena e, talvez por este motivo meus dedos não estejam preguiçosos, como trapezista salto no tempo revirando registros, sacudindo a cauda inquieta da leoa que fui e, com um pouco de graça do palhaço e sensualidade da bailarina atiço a quem passa ...

Cantemos meus caros amigos, pois foi que cantando pelas grandes paixões da adolescência que nos tornamos também, um pouco Poetas, Palhaços e sobretudo Equilibristas ...

sábado, 13 de junho de 2009

Escrivaninha IV - em vermelho

aqui e no Jornal do CF4

Em vermelho -

Com sua irreverência Eros anda à solta ferindo corações. Nos útimos dias foram inúmeras manifestações Poética recebidas em decorrência do dia 12 próximo passado, impregnando o imaginário com a atmosfera romântica, não bastassem os apelos midiáticos. Então como deixar passar em branco o vermelho que arde nas rosas e no vazio dos vasos que gemem ausências...
Como não tremer diante a possibilidade de encontrar àquele(a) que promete ser a cura para a ferida narcísica, que arde desde os primeiros momentos de separação. Foram estes pensamentos que trouxeram-me à memória o Filme COEURS do aclamado Diretor Alain Resnais reconhecido por seu estilo Nouvelle Vague francesa. Resnais apesar dos seus mais de oitenta anos continua a reinventar-se e a transgredir com padrões cinematográficos.O Título do Filme foi traduzido para MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS, desta vez não muito infeliz, mas prefiro o original , porque o coração é a parte que os cabe neste latifúndio ... Bate forte, faz suar, engasgar da os sinais, sintomas enviados pelo cérebro do apaixonado ou solitário diante ao grande perigo; Descarrilando diate a qualquer sinal que desperte situações traumáticas vividas no passado, etc ...A respiração diminuta ou o peito inflado de paixão altera a pressão sanguínia pondo em risco o flechado e, parece que a cicatriz não fecha nunca !Os Roteirista do filme são Alan Ayckbourn e Jean-Michel Ribesteiro.Fica assim registrado a dica para àqueles que não tiveram o privilégio de assistir a película que traz o assunto ; desejo , namoro,início e final de relacionamentos, de forma bastante bem humorada . Os personagens três homens e três mulheres vivem em um mesmo bairro em Paris embora desconheçam-se, passam a fazê-lo e, durante quatro dias passam a interagir de forma romântica encarando seus próprios medos e conflitos .. Cest voilá !

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Psicologia das Massas e a Análise do eu- S. Freud - trecho

como hoje é meio feriado deu tempo para reler, selecionar e postar no contemporaneas , fragmentos dos caps- II - A DESCRIÇÃO DE LE BON DA MENTE GRUPAL, IV - SUGESTÃO E LIBIDO, V- DOIS GRUPOS ARTIFICIAIS: A IGREJA E O EXÉRCITO - VI-OUTROS PROBLEMAS E LINHAS DE TRABALHO, VII – IDENTIFICAÇÃO, VIII - ESTAR AMANDO E HIPNOSE, IX - O INSTINTO GREGÁRIO, XII - PÓS-ESCRITO


da Obra
Psicologia das Massas e a Análise do eu - S. Freud

o que não dispensa a leitura na íntegra , afetuosamente, virgínia


... sob certa condição, esse indivíduo, a quem havia chegado a compreender, pensou, sentiu e agiu de maneira inteiramente diferente daquela que seria esperada. Essa condição é a sua inclusão numa reunião de pessoas que adquiriu a característica de um ‘grupo psicológico’. O que é, então, um ‘grupo’? Como adquire ele a capacidade de exercer influência tão decisiva sobre a vida mental do indivíduo? E qual é a natureza da alteração mental que ele força no indivíduo?
Constituiu tarefa de uma psicologia de grupo teórica responder a essas três perguntas. A melhor maneira de abordá-las é, evidentemente, começar pela terceira. É a observação das alterações nas reações do indivíduo que fornece à psicologia de grupo seu material, de uma vez que toda tentativa de explicação deve ser precedida pela descrição da coisa que tem de ser explicada. Deixarei que agora Le Bon fale por si próprio. Diz ele: ‘A peculiaridade mais notável apresentada por um grupo psicológico é a seguinte: sejam quem forem os indivíduos que o compõem, por semelhantes ou dessemelhantes que sejam seu modo de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o fato de haverem sido transformados num grupo coloca-os na posse de uma espécie de mente coletiva que os faz sentir, pensar e agir de maneira muito diferente daquela pela qual cada membro dele, tomado individualmente, sentiria, pensaria e agiria, caso se encontrasse em estado de isolamento. Há certas idéias e sentimentos que não surgem ou que não se transformam em atos, exceto no caso de indivíduos que formam um grupo. O grupo psicológico é um ser provisório, formado por elementos heterogêneos que por um momento se combinam, exatamente como as células que constituem um corpo vivo, formam, por sua reunião, um novo ser que apresenta características muito diferentes daquelas possuídas por cada uma das células isoladamente.’ (Trad., 1920, 29.)
...
‘O primeiro é que o indivíduo que faz parte de um grupo adquire, unicamente por
considerações numéricas, um sentimento de poder invencível que lhe permite render-se a instintos que, estivesse ele sozinho, teria compulsoriamente mantido sob coerção. Ficará ele ainda menos disposto a controlar-se pela consideração de que, sendo um grupo anônimo e, por conseqüência, irresponsável, o sentimento de responsabilidade que sempre controla os indivíduos, desaparece inteiramente.’
Segundo nosso ponto de vista, não precisamos atribuir tanta importância ao aparecimento de características novas. Para nós, seria bastante dizer que, num grupo, o indivíduo é colocado sob condições que lhe permitem arrojar de si as repressões de seus impulsos instintuais inconscientes. As características aparentemente novas que então apresenta são na realidade as manifestações desse inconsciente, no qual tudo o que é mau na mente humana está contido como uma predisposição. Não há dificuldade alguma em compreender o desaparecimento da consciência ou do senso de responsabilidade, nessas circunstâncias. Há muito tempo é asserção nossa que a ‘ansiedade social’ constitui a essência do que é chamado de consciência.
‘A segunda causa, que é o contágio, também intervém para determinar nos grupos a manifestação de suas características especiais e, ao mesmo tempo, a tendência que devem tomar. O contágio é um fenômeno cuja presença é fácil estabelecer e difícil explicar. Deve ser classificado entre aqueles fenômenos de ordem hipnótica que logo estudaremos. Num grupo, todo sentimento e todo ato são contagiosos, e contagiosos em tal grau, que o indivíduo prontamente sacrifica seu interesse pessoal ao interesse coletivo. Trata-se de aptidão bastante contrária à sua natureza e da qual um homem dificilmente é capaz, exceto quando faz parte de um grupo.’ ...

‘...Além disso, pelo simples fato de fazer parte de um grupo organizado, um homem desce vários degraus na escada da civilização. Isolado, pode ser um indivíduo culto; numa multidão, é um bárbaro, ou seja, uma criatura que age pelo instinto. Possui a espontaneidade, a violência, a ferocidade e também o entusiasmo e o heroísmo dos seres primitivos.’ Le Bon demora-se então especialmente na redução da capacidade intelectual que um indivíduo experimenta quando se funde num grupo.
Abandonemos agora o indivíduo e voltemo-nos para a mente grupal, tal como delineada por Le Bon. Ela não apresenta um único aspecto que um psicanalista encontre qualquer dificuldade em situar ou em fazer derivar de sua fonte. O próprio Le Bon nos mostra o caminho, apontando para sua semelhança com a vida mental dos povos primitivos e das crianças .
Um grupo é impulsivo, mutável e irritável. É levado quase que exclusivamente por seu inconsciente. Os impulsos a que um grupo obedece, podem, de acordo com as circunstâncias, ser generosos ou cruéis, heróicos ou covardes, mas são sempre tão imperiosos, que nenhum interesse pessoal, nem mesmo o da autopreservação, pode fazer-se sentir . Nada dele é premeditado. Embora possa desejar coisas apaixonadamente, isso nunca se dá por muito tempo, porque é incapaz de perseverança. Não pode tolerar qualquer demora entre seu desejo e a realização do que deseja. Tem um sentimento de onipotência: para o indivíduo num grupo a noção de impossibilidade desaparece....

...Tomando a palavra ‘pânico’ no sentido de medo coletivo, podemos estabelecer uma analogia de grandes conseqüências. No indivíduo o medo é provocado seja pela magnitude de um perigo, seja pela cessação dos laços emocionais (catexias libidinais); este último é o caso do medo neurótico ou ansiedade. Exatamente da mesma maneira, o pânico surge, seja devido a um aumento do perigo comum, seja ao desaparecimento dos laços emocionais que mantêm unido o grupo, e esse último caso é análogo ao da ansiedade neurótica.
...
...Somos de opinião, pois, que a linguagem efetuou uma unificação inteiramente justificável ao criar a palavra ‘amor’ com seus numerosos usos, e que não podemos fazer nada melhor senão tomá-la também como base de nossas discussões e exposições científicas. Por chegar a essa decisão, a psicanálise desencadeou uma tormenta de indignação, como se fosse culpada de um ato de ultrajante inovação. Contudo, não fez nada de original em tomar o amor nesse sentido ‘mais amplo’. Em sua origem, função e relação com o amor sexual, o ‘Eros’ do filósofo Platão coincide exatamente com a força amorosa, a libido da psicanálise, tal como foi pormenorizadamente demonstrado por Nachmansohn(1915) e Pfister (1921), e, quando o apóstolo Paulo, em sua famosa Epístola aos Coríntios, louva o amor sobre tudo o mais, certamente o entende no mesmo sentido ‘mais amplo’. Mas isso apenas demonstra que os homens nem sempre levam a sério seus grandes pensadores, mesmo quando mais professam admirá-los. A psicanálise, portanto, dá a esses instintos amorosos o nome de instintos sexuais, a potiori e em razão de sua origem. A maioria das pessoas ‘instruídas’ encarou essa nomenclatura como um insulto e fez sua vingança retribuindo à psicanálise a pecha de ‘pansexualismo’. Qualquer pessoa que considere o sexo como algo mortificante e humilhante para a natureza humana está livre para empregar as expressões mais polidas ‘Eros’ e ‘erótico’. Eu poderia ter procedido assim desde o começo e me teria poupado muita oposição. Mas não quis fazê-lo, porque me apraz evitar fazer concessões à pusilanimidade. Nunca se pode dizer até onde esse caminho nos levará; cede-se primeiro em palavras e depois, pouco a pouco, em substância também. Não posso ver mérito algum em se ter vergonha do sexo; a palavra grega ‘Eros’, destinada a suavizar a afronta, ao final nada mais é do que tradução de nossa palavra alemã Liebe [amor], e finalmente, aquele que sabe esperar não precisa de fazer concessões.
Tentaremos nossa sorte, então, com a suposição de que as relações amorosas (ou,para empregar expressão mais neutra, os laços emocionais) constituem também a essênciada mente grupal...

...Mas, quando um grupo se forma, a totalidade dessa intolerância se desvanece, temporária ou permanentemente, dentro do grupo. Enquanto uma formação de grupo persiste ou até onde ela se estende, os indivíduos do grupo comportam-se como se fossem uniformes, toleram as peculiaridades de seus outros membros, igualam-se a eles e não sentem aversão por eles. Uma tal limitação do narcisismo, de acordo com nossas conceituações teóricas, só pode ser produzida por um determinado fator, um laço libidinal com outras pessoas. O amor por si mesmo só conhece uma barreira: o amor pelos outros, o amor por objetos...

...Outro exemplo de introjeção do objeto foi fornecido pela análise da melancolia, afecção que inclui entre as mais notáveis de suas causas excitadoras a perda real ou emocional de um objeto amado. Uma característica principal desses casos é a cruel autodepreciação do ego, combinada com uma inexorável autocrítica e acerbas autocensuras. As análises demonstraram que essa depreciação e essas censuras aplicam-se, no fundo, ao objeto e representam a vingança do ego sobre ele. A sombra do objeto caiu sobre o ego, como disse noutra parte. Aqui a introjeção do objeto é inequivocamente clara.
Essas melancolias, porém, também nos mostram mais alguma coisa, que pode ser importante para nossos estudos posteriores. Mostram-nos o ego dividido, separado em duas partes, uma das quais vocifera contra a segunda. Esta segunda parte é aquela que foi alterada pela introjeção e contém o objeto perdido. Porém a parte que se comporta tão cruelmente tampouco a desconhecemos. Ela abrange a consciência, uma instância crítica dentro do ego, que até em ocasiões normais assume, embora nunca tão implacável e injustificadamente, uma atitude crítica para com a última. Em ocasiões anteriores, fomos levados à hipótese de que no ego se desenvolve uma instância assim, capaz de isolar-se do resto daquele ego e entrar em conflito com ele. A essa instância chamamos de ‘ideal do ego’ e, a título de funções, atribuímos-lhe a auto-observação, a consciência moral, a censura dos sonhos e a principal influência na repressão. Dissemos que ele é o herdeiro do narcisismo original em que o ego infantil desfrutava de auto-suficiência; gradualmente reúne, das influências do meio ambiente, as exigências que este impõe ao ego, das quais este não pode sempre estar à altura; de maneira que um homem, quando não pode estar satisfeito com seu próprio ego, tem, no entanto, possibilidade de encontrar satisfação no ideal do ego que se diferenciou do ego.
...

...Naturalmente, não é fácil a tarefa de traçar a ontogênese do instinto gregário. O medo mostrado pelas crianças pequenas quando são deixadas sozinhas, e que Trotter alega constituir já uma manifestação do instinto, no entanto sugere mais facilmente uma outra interpretação. O medo relaciona-se à mãe da criança e, posteriormente, a outras pessoas familiares, sendo a expressão de um desejo irrealizado, que a criança ainda não sabe tratar de outra maneira, exceto transformando-o em ansiedade. O medo da criança, quando está sozinha, tampouco é apaziguado pela visão de qualquer fortuito ‘membro da grei’; pelo contrário, é criado pela aproximação de um ‘estranho’ desse tipo. Assim, durante longo tempo nada na natureza de um instinto gregário ou sentimento de grupo pode ser observado nas crianças. Algo semelhante a ele primeiro se desenvolve, num quarto de crianças com muitas crianças, fora das relações dos filhos com os pais, e assim sucede como uma reação à inveja inicial com que a criança mais velha recebe a mais nova. O filho mais velho certamente gostaria de ciumentamente pôr de lado seu sucessor, mantê-lo afastado dos pais e despojá-lo de todos os seus privilégios; mas, à vista de essa criança mais nova (como todas as que virão depois) ser amada pelos pais tanto quanto ele próprio, e em conseqüência da impossibilidade de manter sua atitude hostil sem prejudicar-se a si próprio, aquele é forçado a identificar-se com as outras crianças. Assim, no grupo de crianças desenvolve-se um sentimento comunal ou de grupo, que é ainda mais desenvolvido na escola. A primeira exigência feita por essa formação reativa é de justiça, de tratamento igual para todos. Todos sabemos do modo ruidoso e implacável como essa reivindicação é apresentada na escola.
Se nós mesmos não podemos ser os favoritos, pelo menos ninguém mais o será. Essa transformação, ou seja, a substituição do ciúme por um sentimento grupal no quarto das crianças e na sala de aula, poderia ser considerada improvável, se mais tarde o mesmo processo não pudesse ser de novo observado em outras circunstâncias. Basta-nos pensar no grupo de mulheres e moças, todas elas apaixonadas de forma entusiasticamente sentimental, que se aglomeram em torno de um cantor ou pianista após a sua apresentação.
Certamente seria fácil para cada uma delas ter ciúmes das outras; porém, diante de seu número e da conseqüente impossibilidade de alcançarem o objetivo de seu amor, renunciam a ele e, em vez de uma puxar os cabelos da outra, atuam como um grupo unido, prestam homenagem ao herói da ocasião com suas ações comuns e provavelmente ficariam contentes em ficar com um pedaço das esvoaçantes madeixas dele. Originariamente rivais, conseguiram identificar-se umas com as outras por meio de um amor semelhante pelo mesmo objeto. Quando, como de hábito, uma situação instintual é capaz de resultados diversos, não nos surpreenderá que o resultado real seja algum que traga consigo a possibilidade de uma certa quantidade de satisfação, ao passo que um outro resultado, mais óbvio em si, seja desprezado, já que as circunstâncias da vida impedem que ele conduza àquela satisfação.
..
...todas as tarefas dos mitos e contos de fadas são facilmente reconhecíveis como sucedâneos do feito heróico. Assim, o mito é o passo com o qual o indivíduo emerge da psicologia de grupo. O primeiro mito foi certamente o psicológico, o mito do herói; o mito explicativo da natureza deve tê-lo seguido muito depois.
O poeta que dera esse passo, com isso libertando-se do grupo em sua imaginação, é, não obstante (como Rank observa ainda), capaz de encontrar seu caminho de volta ao grupo na realidade — porque ele vai e relata ao grupo as façanhas do herói, as quais inventou. No fundo, esse herói não é outro senão ele próprio. Assim,desce ao nível da realidade e eleva seus ouvintes ao nível da imaginação. Seus ouvintes,porém, entendem o poeta e, em virtude de terem a mesma relação de anseio pelo pai primevo, podem identificar-se com o herói.

A mentira do mito heróico culmina pela deificação do herói. Talvez o herói deificado possa ter sido mais antigo que o Deus Pai e precursor do retorno do pai primevo como deidade. A série dos deuses, então, seria cronologicamente esta: Deusa Mãe — Herói — Deus Pai. Mas só com a elevação do pai primevo nunca esquecido a divindade adquire as características que ainda hoje nela identificamos.
Muito se disse, neste artigo, sobre instintos diretamente sexuais e instintos inibidos em seus objetivos, podendo-se esperar que essa distinção não experimente demasiada resistência. Um estudo pormenorizado da questão, contudo, não ficará deslocado, ainda que apenas repita o que, em grande parte, já foi dito antes.
O desenvolvimento da libido nas crianças familiarizou-nos com o primeiro, mas também o melhor, exemplo de instintos sexuais inibidos em seus objetivos. Todos os sentimentos que uma criança tem para com os pais e para com aqueles que cuidam dela transformam-se, por uma fácil transição, em desejos que dão expressão aos impulsos sexuais da criança. Ela reivindica desses objetos de seu amor todos os sinais de afeição que conhece; quer beijá-los, tocá-los e olhá-los; tem curiosidade de ver seus órgãos genitais e estar com eles quando realizam suas funções excretórias íntimas; promete casar-se com a mãe ou com a babá, não importa o que entenda por casamento; propõe-se a si mesma ter um filho do pai etc. A observação direta, bem como a subseqüente investigação analítica dos resíduos da infância, não deixa dúvidas quanto à completa fusão de sentimentos ternos e ciumentos e de intenções sexuais, mostrando-nos de que maneira fundamental a criança faz da pessoa que ama o objeto de todas as suas tendências sexuais, ainda não corretamente centradas.
Essa primeira configuração do amor da criança, que nos casos típicos toma a forma do complexo de Édipo, sucumbe, tanto quanto sabemos a partir do começo do período de latência, a uma onda de repressão. O que resta dela apresenta-se como um laço emocional puramente afetuoso, referente às mesmas pessoas; porém, não mais pode ser descrito como ‘sexual’.

...A psicanálise, que ilumina as profundezas da vida mental, não tem dificuldade em demonstrar que os vínculos sexuais dos primeiros anos da infância também persistem, embora reprimidos e inconscientes. Ela nos dá coragem para afirmar que um sentimento afetuoso, onde quer que o encontremos, constitui um sucessor de uma vinculação de objeto completamente ‘sensual’ com a pessoa em pauta ou, antes, com o protótipo (ou Imago) dessa pessoa. Ela não pode verdadeiramente revelar-nos, sem uma investigação especial, se em dado caso essa antiga corrente sexual completa ainda existe sob repressão ou já se exauriu. Mais precisamente: é inteiramente certo que essa corrente ainda se encontra lá, como forma e possibilidade, podendo sempre ser catexizada e novamente colocada em atividade por meio da regressão; a única questão é (e nem sempre pode ser respondida) que grau de catexia e força operativa ela ainda possui no presente momento. Nessa referência, deve-se tomar idêntico cuidado em evitar duas fontes de erro: o Sila de subestimar a importância do inconsciente reprimido e o Caribde de julgar o normal inteiramente pelos padrões do patológico.
Uma psicologia que não penetre ou não possa penetrar nas profundezas do que é
reprimido, considera os laços emocionais afetuosos como sendo invariavelmente a expressão de impulsos que não possuem objetivo sexual, ainda que derivem de impulsos com esse fim.
Temos justificativa para dizer que eles foram desviados desses fins sexuais, embora exista certa dificuldade de fornecer uma descrição de um desvio de objetivo assim, que se adapte às exigências da metapsicologia. Ademais, esses instintos inibidos em seus objetivos conservam alguns de seus objetivos sexuais originais; mesmo um devoto afetuoso, mesmo um amigo ou um admirador, desejam a proximidade física e a visão da pessoa que é agora amada apenas no sentido ‘paulino’. Se preferirmos, podemos identificar nesse desvio de objetivo um início da sublimação dos instintos sexuais ou, por outro lado, podemos fixar os limites da sublimação em algum ponto mais distante. Esses instintos sexuais inibidos em seus objetivos possuem uma grande vantagem funcional sobre os desinibidos. Desde que não são capazes de satisfação realmente completa, acham-se especialmente aptos a criar vínculos permanentes, ao passo que os instintos diretamente sexuais incorrem numa perda de energia sempre que se satisfazem e têm de esperar serem renovados por um novo acúmulo de libido sexual; assim, nesse meio tempo, o objeto pode ter-se alterado. Os instintos inibidos são capazes de realizar qualquer grau de mescla com os desinibidos;
podem ser novamente transformados em desinibidos, exatamente como deles se originaram. É bem conhecido com que facilidade se desenvolvem desejos eróticos a partir de relações emocionais de caráter amistoso, baseadas na apreciação e na admiração (compare-se o ‘Beije-me pelo amor do grego’, de Molière), entre professor e aluno, recitalista e ouvinte deliciada, especialmente no caso das mulheres. Na realidade, o crescimento de laços emocionais desse tipo, com seus começos despropositados, fornece uma via muito freqüentada para a escolha sexual de objeto. Pfister, em sua Froömmigkeit des Grafen von Zinzendorf (1910), forneceu um exemplo extremamente claro e certamente não isolado de quão facilmente até um intenso vínculo religioso pode converter-se em ardente excitação sexual. ...

...Por outro lado, também é muito comum aos impulsos diretamente sexuais de pequena duração em si mesmos transformarem-se em um laço permanente e puramente afetuoso; e a consolidação de um apaixonado casamento de amor repousa em grande parte nesse processo.
Naturalmente não ficaremos surpresos ao ouvir que os impulsos sexuais inibidos em seus objetivos se originam daqueles diretamente sexuais quando obstáculos internos ou externos tornam inatingíveis os objetivos sexuais. A repressão durante o período de latência é um obstáculo interno desse tipo, ou melhor, um obstáculo que se tornou interno.


Presumimos que o pai da horda primeva, devido à sua intolerância sexual, compeliu todos os filhos à abstinência, forçando-os assim a laços inibidos em seus objetivos, enquanto reservava para si a liberdade de gozo sexual, permanecendo, desse modo, sem vínculos.
Todos os vínculos de que um grupo depende têm o caráter de instintos inibidos em seus objetivos. Porém, aqui nos aproximamos da discussão de um novo assunto, que trata da relação existente entre os instintos diretamente sexuais e a formação de grupos.. .
As duas últimas observações nos terão preparado para descobrir que os impulsos diretamente sexuais são desfavoráveis para a formação de grupos. Na história da evolução da família é fato que também houve relações grupais de caráter sexual (casamentos grupais), mas, quanto mais importante o amor sexual se tornou para o ego e mais desenvolveu o ego as características de estar amando, com maior premência exigiu ser limitado a duas pessoas — una cum uno —, como é prescrito pela natureza do objetivo genital.
As inclinações polígamas tiveram de contentar-se em encontrar satisfação numa sucessão de objetos mutáveis.Duas pessoas que se reúnem com o intuito de satisfação sexual, na medida em que buscam a solidão, estão realizando uma demonstração contra o instinto gregário, o sentimento de grupo. Quanto mais enamoradas se encontram, mais completamente se bastam uma à outra. Sua rejeição da influência do grupo se expressa sob a forma de um sentimento de vergonha. Sentimentos de ciúme da mais extrema violência são convocados para proteger a escolha de um objeto sexual da usurpação por um laço grupal.
Apenas quando o fator afetuoso, isto é, pessoal, de uma relação amorosa cede inteiramente lugar ao sensual, torna-se possível a duas pessoas manterem relações sexuais na presença de outros, ou haver atos sexuais simultâneos num grupo, tal como ocorre em uma orgia.
Nesse ponto, porém, afetuou-se uma regressão a uma fase anterior das relações sexuais, na qual estar amando ainda não desempenhava um papel e todos os objetos eram julgados como de igual valor, um pouco no sentido do malicioso aforismo de Bernard Shaw, segundo o qual estar apaixonado significa exagerar grandemente a diferença existente entre uma mulher e outra.
Existem abundantes indicações de que o estado de estar amando só fez seu aparecimento tardiamente nas relações sexuais entre homens e mulheres, de maneira que a oposição entre amor sexual e vínculos grupais constitui também um desenvolvimento tardio. Ora, pode parecer que essa pressuposição seja incompatível com nosso mito da família primeva, pois, afinal de contas, por seu amor pelas mães e irmãs a turba de irmãos, conforme supomos, foi levada ao parricídio, sendo difícil imaginar esse amor como algo que não fosse indiviso e primitivo, isto é, como uma união íntima do afetuoso e do sensual.
Uma consideração mais atenta, entretanto, transforma essa objeção à nossa teoria em confirmação dela. Uma das reações ao parricídio foi, em última análise, a instituição da exogamia totêmica, a proibição de qualquer relação sexual com aquelas mulheres da família que haviam sido ternamente amadas desde a infância. Desse modo, enfiou-se uma cunha entre os sentimentos afetuosos e sensuais do homem, que, atualmente, ainda se acha firmemente fixada em sua vida erótica. Em resultado dessa exogamia, as necessidades sensuais dos homens tiveram de ser satisfeitas com mulheres estranhas e não amadas.

Nos grandes grupos artificiais, a Igreja e o exército, não há lugar para a mulher como objeto sexual. As relações amorosas entre homens e mulheres permanecem fora dessas organizações. Mesmo onde se formam grupos compostos tanto de homens como de mulheres, a distinção entre os sexos não desempenha nenhum papel. Mal há sentido em perguntar se a libido que mantém reunidos os grupos é de natureza homossexual ou heterossexual, porque ela não se diferencia de acordo com os sexos e, particularmente, mostra um completo desprezo pelos objetivos da organização genital da libido.
Mesmo na pessoa que, sob outros aspectos, se absorveu em um grupo, os impulsos diretamente sexuais conservam um pouco de sua atividade individual. Se se tornam fortes demais, desintegram qualquer formação grupal. A Igreja Católica possui o melhor dos motivos para recomendar a seus seguidores que permaneçam solteiros, e para impor o celibato a seus sacerdotes, mas o apaixonar-se com freqüência impeliu mesmo padres a abandonar a Igreja. Da mesma maneira, o amor pela mulheres rompe os vínculos grupais de raça, divisões nacionais e sistema de classes sociais, produzindo importantes efeitos como fator de civilização. Parece certo que o amor homossexual é muito mais compatível com os laços grupais, mesmo quando toma o aspecto de impulsos sexuais desinibidos, fato notável cuja explicação poderia levar-nos longe.

A investigação psicanalítica das psiconeuroses nos ensinou que seus sintomas devem ser remetidos a impulsos diretamente sexuais que são reprimidos mas permanecem ainda ativos. Podemos completar essa fórmula acrescentando: ‘ou a impulsos inibidos nos objetivos, cuja inibição não foi inteiramente bem-sucedida ou permitiu um retorno do objetivo sexual reprimido’. Está de acordo com isso que uma neurose torne associal a sua vítima ou a afaste das formações habituais de grupo. Pode-se dizer que uma neurose tem sobre o grupo o mesmo efeito desintegrador que o estado de estar amando. Por outro lado,parece que onde foi dado um poderoso ímpeto à formação de grupo, as neuroses podem diminuir ou, pelo menos temporariamente, desaparecer.
Justificáveis tentativas foram feitas para situar esse antagonismo entre as neuroses e as formações de grupo a serviço da terapêutica. Mesmo os que não lamentam o desaparecimento das ilusões religiosas do mundo civilizado de hoje, admitem que, enquanto estiveram em vigor, ofereceram aos que a elas se achavam presos a mais poderosa proteção contra o perigo da neurose. Tampouco é difícil discernir que todos os vínculos que ligam as pessoas a seitas e comunidades místicoreligiosas ou filosófico-religiosas, são expressões de curas distorcidas de todos os tipos de neuroses. Tudo isso se correlaciona com o contraste entre os impulsos diretamente sexuais e os inibidos em seus objetivos.

Se é abandonado a si próprio, um neurótico é obrigado a substituir por suas próprias formações de sintomas as grandes formações de grupo de que se acha excluído. Ele cria seu próprio mundo de imaginação, sua própria religião, seu próprio sistema de delírios,recapitulando assim as instituições da humanidade de uma maneira distorcida, que constitui prova evidente do papel dominante desempenhado pelos impulsos diretamente sexuais....
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Tanto quanto Wagner, eu sou um filho desse tempo;
quer dizer, um décadent: mas eu compreendi isso, e me defendi.
O filósofo em mim se defendeu.” - Nietzsche in O Caso Wagner, Prólogo. Companhia das Letras-
ilustração eye de Escher 1946

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Escrivaninha III - demasiadamente humanos

Em véspera de comemorarmos aqui no Brasil o dia consagrado ao amor romântico lembro das palavras do filósofo , Médico e Psicanalista Jurandir Freire Costa em Entrevista DIÁLOGOS SOBRE O AMOR ROMÂNTICO , posterior a Publicação de seu Livro Sem fraude nem favor .

<...Hoje, boa parte da liberdade sexual sonhada pelos hippies se realizou, embora na chave individualista, típica de nossos tempos. Ou seja, estimulamos a liberdade sexual pregada pela contracultura mas jogamos fora os ideais igualitários e comunitários que justificavam aquela liberdade. ...

O amor romântico, portanto, como qualquer emoção humana, não é feito só de virtudes. Ele carrega um potencial de individualismo e preocupação obsessiva com o próprio bem-estar que pode nos tornar absolutamente indiferentes a tudo e a todos ao redor.
Não se trata, é óbvio, de “reprovar o amor” ou os que pretendem dedicar a vida à realização amorosa; trata-se de mostrar que esse objetivo não está além do bem e do mal. Existe uma grande diferença em afirmar que o amor romântico é um estado afetivo que pode nos fazer muito felizes e que, por isso, pode ou deve ser buscado por quem de direito e apresentar o romantismo como uma obrigação moral universal. No último caso, fazemos de uma possibilidade, necessidade e reforçamos a crença de que todos os que não conseguem amar, no código do romantismo, são pessoas fracassadas, frágeis, insensíveis, “não resolvidas”, do ponto de vista psicológico. O amor romântico, repito, é uma emoção mundana, comprometida, entre outras coisas, com valores estéticos e morais diretamente ligados a interesses de classe social, situação econômico-cultural e preconceitos raciais, sexuais ou religiosos dos amantes. Longe de ser uma emoção pura, inocente ou “divina”, o romantismo amoroso é uma busca de satisfação sexual e sentimental nem mais nem menos legítima do que outras às quais damos as costas por que estamos empenhados, dia e noite, em amar e ser amados.... >>



domingo, 7 de junho de 2009

Passando...

Passando...

Outono galopa feito corcel selvagem, indiferente aos nossos passos lentos ainda em direção à consciência coletiva. Em sua crina macia debruçam-se haveres, sonhos, cristais.

Seguem-lhe, com corpo doído, as senhoras dos tempos, donas das horas.Em seus rostos de anciãs resta a suavidade do eterno.
Afligimo-nos, pertencentes ao pluriverso somos. Reversos atravessam-nos... Atrevemos-nos ?A neblina como licor derrama-se entre nós e a lua. Aquarela lenta desenha-se sobre o gramado e, dormimos, acordamos, comemos, banhamo-nos de sóis fugazes com a mesma, ainda, ilusão de que são eles que por nós passam; velozes, audazes, astros portadores de silêncios e eloqüentes ocasos ...

terça-feira, 2 de junho de 2009

Homens-pássaros/Hommes-oiseaux/Birdmen

River Dillon. Photomontagem
4 de Junho - 3 de Agosto 2009Exposição/Exposition personnelle/Personal exhibition Homens-pássaros/Hommes-oiseaux/Birdmen
Memorial dos Povos Indígenas, Brasilia/Mémorial des Peuples Indigènes de Brasiliaplus d'infos sur les Hommes-oiseaux en français:http://hommesoiseauxderd.blogspot.com

Mathias às plumas Indias. Paris 2007

VEREDICTO(s) DO INCONSCIENTE

VEREDICTO DO INCONSCIENTE II
VEREDICTO DO INCONSCIENTE

A palavra escrita ou falada,
Mesmo que queira o autor
Tomado por sua dor ao constatar seu anúncio
Na tela...
Na folha de papel...
No “outdoor”... Nos muros...
Nas calçadas das ruas...
Continuam sendo suas,
e, não adianta apagar.
Veredicto do inconsciente,

Que comanda toda a gente
que vive sobre o planeta,

Seja para a paz e o amor,
Seja para a guerra e dor.

Não adianta dormir, Nem tanto tentar fugir...
Isso que foi anunciado,
Para sempre estará gravado
Nos lugares mais sagrados
Daquele que professou.
Salete Cardozo Cochinsky -2005

Lembro a vocês que tudo o que é manifestado pela linguagem, se não pode ser apagado, pode ser re-significado, ou seja, a próxima palavra, sinal, frase, página, existe para isso mesmo; correção e desdobramento. Até mais,
-Salete Cardozo Cochinsky -Porto Alegre, RS, Brazil Psicóloga/Psicanalista-