sábado, 18 de julho de 2009

.O Céu Embaixo da Terra &..Contos da Infância Galáctica- Marcelo Gleiser

O Hubble não passa de um robô extremamente sofisticado, desenhado para colher imagens de alta precisão de objetos celestes próximos e muito distantes.
Assim como ele, existem muitos outros robôs observatórios colhendo dados em regiões do espectro eletromagnético além das que nos são visíveis. Um exemplo recente é o observatório espacial Glast, que estuda a radiação eletromagnética (RE) mais energética, os raios gama. De passagem, menciono que um dos operadores principais do Glast é o físico brasileiro Eduardo do Couto e Silva (tema da coluna de 15 de junho de 2008).
Mas existe outro tipo de astronomia que, paradoxalmente, para estudar o que existe nos céus, é realizada embaixo da Terra. Para entendermos como isso é possível, é bom lembrar que a luz, os raios X, os raios gama e as várias outras formas de RE são compostas de partículas chamadas fótons. Os telescópios que captam a luz, os raios gama ou outros tipos de RE são, na verdade, detectores de fótons, como se fossem redes de pesca desenhadas para apreender essas partículas. Só que os fótons não são as únicas partículas que existem nos céus. Pelo contrário, muitas outras “chovem” continuamente sobre nós. A maioria faz parte dos chamados raios cósmicos, compostos principalmente de prótons, elétrons e múons, que são elétrons mais pesados. Outras são os neutrinos, as “partículas-fantasma”, produzidas no coração do Sol. Neutrinos são capazes de atravessar a matéria normal como se fossem fantasmas.
Paredes ou mesmo a Terra inteira não são obstáculos para eles. Algumas partículas, como os elétrons e os múons, também penetram a matéria por boas distâncias. Portanto, para estudar os neutrinos sem a interferência de outras partículas, físicos usam cavidades subterrâneas, em geral minas abandonadas. Nelas, montam seus “telescópios”, detectores capazes de identificar as raras colisões de neutrinos com a matéria comum.Existem outras partículas cruzando o espaço ainda mais misteriosas do que os neutrinos. Delas sabemos apenas que não são como a matéria comum. Elas não produzem RE, como fazem os elétrons. Portanto, não brilham, sendo conhecidas como “matéria escura”. Sabemos que existem apenas porque sua massa afeta o comportamento das galáxias pela gravidade. Cada galáxia tem uma espécie de véu de matéria escura, com uma massa que chega a ser dez vezes maior do que a massa de todas as suas estrelas.
A matéria escura também é caçada em observatórios subterrâneos. Até agora, nenhuma candidata foi detectada, o que causa uma certa ansiedade nos físicos. Mas também aumenta o seu fascínio. Vivemos numa realidade dominada pelo que nos é invisível
. -O Céu Embaixo da Terra -Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo em março de 2008


Sabemos hoje a idade do Universo: em números arredondados, 14 bilhões de anos. Esse é o tempo passado desde o Big Bang, o evento que deu origem a tudo. Sabemos, também, que o Universo é salpicado de centenas de bilhões de galáxias, cada uma com milhões ou até centenas de bilhões de estrelas. Esse é o caso da nossa galáxia, a Via Láctea, onde o Sol é uma humilde estrela em meio a tantas outras.



Mas não se iluda pensando que essas estrelas todas estão pertinho umas das outras. Não, o espaço é praticamente vazio, e as distâncias entre as estrelas são em média de dezenas de anos-luz. Ou seja, viajando à velocidade da luz, demoraríamos dezenas de anos para ir de uma a outra.
Mesmo com tantas estrelas, a galáxia em si é tão enorme que as distâncias entre elas são…astronômicas. A Via Láctea tem um diâmetro de 100 mil anos-luz. Com tecnologia atual, demoraríamos em torno de 25 mil anos para atravessar um mero ano-luz. A galáxia inteira tomaria uns 2,5 bilhões de anos. Penso nisso e sinto uma grande solidão: estamos mesmo muito isolados do resto do cosmo, nós e os outros planetas do Sistema Solar, todos eles -ao menos hoje- sem vida.
A Terra é uma ilha de atividade biológica em meio à desolação total que nos cerca por muitos anos-luz. Mas o Sol não é a única estrela. E a Via Láctea não é a única galáxia. Hoje temos uma visão do cosmo que é semelhante à de um campo com árvores de Natal espalhadas na noite escura.
Cada árvore iluminada é uma galáxia, e as luzes, suas estrelas. Na escuridão da noite, vemos apenas as luzes das árvores piscando, parecendo flutuar pelo campo afora. Assim nos parecem as galáxias, formadas apenas de estrelas e gás. De perto, porém, a história é outra. Na árvore de Natal existe uma estrutura que sustenta as lâmpadas, a árvore e os seus galhos. Mas e nas galáxias? O que as sustenta? Em cada uma delas existe também uma estrutura, uma teia invisível de matéria que dá suporte às estrelas e ao gás que produz sua luz.
Só que essa teia invisível não é feita da mesma matéria que as estrelas e as nuvens de gás. Essa “matéria escura” – esse é o seu nome – não tem nada a ver com a matéria comum que conhecemos. Ninguém sabe que matéria é essa. Mas sabemos que cerca de 80% da massa das galáxias corresponde a essa matéria e não às estrelas. Exagerando um pouco a metáfora das árvores de Natal, nelas também a massa em matéria escura – o tronco e os galhos – é bem maior do que a massa total das pequenas lâmpadas.
Uma das questões de ponta em astrofísica, fora, claro, o que é essa matéria escura, é como nasceram as galáxias. Sabemos que a grande escultora das formas cósmicas é a força da gravidade. Dado que 80% da massa das galáxias é em matéria escura, é claro que sua dinâmica de formação também é dominada por esse tipo de matéria. Estudando as propriedades de galáxias quando o Universo tinha 7 bilhões de anos, metade de sua idade atual, astrônomos descobriram que as coisas eram semelhantes; os mesmos tipos de galáxias, com a mesma dinâmica: galáxias espirais cheias de estrelas nascendo e galáxias elípticas com estrelas velhas.
A matéria escura cria poços gravitacionais para onde flui a matéria normal, que forma as estrelas. Esse movimento causa ondas de choque violentas. Quanto mais matéria escura, mais violenta a onda de choque. Nos casos mais dramáticos, o choque pode interromper a formação de estrelas. Galáxias elípticas são as que têm a formação de estrelas interrompida mais cedo. Mesmo que ainda existam muitos pontos obscuros, a infância das galáxias começa a ser desvendada.
Marcelo Gleiser é professor de Física Teórico no Dartmouth College, em Hanover (EUA) e autor do livro “A Harmonia do Mundo”Este artigo foi originalmente publicado na Folha de São Paulo em 24 de agosto de 2008

Realidade– Uma Década Do Sonho VMD



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