quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

'Proteção à mata é adiada como foi a abolição'

JC e-mail 4445, de 29 de Fevereiro de 2012.

8. 'Proteção à mata é adiada como foi a abolição'

Atraso em tomar decisões custou a desigualdade que o País enfrenta até hoje, afirma pesquisador.

Acostumado a fazer a análise econômica de questões ligadas à preservação ambiental, o economista Carlos Eduardo Young, da UFRJ, não pensa duas vezes para dizer que, se o País não investir agora em formas de aumentar a proteção e a recuperação de vegetação natural, os custos para reverter os danos no futuro serão altos demais.

Ele se refere aos impactos que a mudança no Código Florestal pode trazer ao flexibilizar a proteção à Reserva Legal e às Áreas de Proteção Permanente e diminuir a obrigação de restauração do que foi desmatado ilegalmente. Para ele, a alternativa apontada no texto que saiu do Senado para a Câmara, de criar incentivos financeiros para ajudar na preservação, como o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), pode ser um desperdício de uma boa ideia. Ele explica as razões na entrevista a seguir, publicada no jornal O Estado de São Paulo.

Por que a inclusão do PSA seria uma boa ideia e por que foi um desperdício a forma como foi colocada?

É uma boa ideia porque é uma forma bastante moderna e inteligente de colocar uma solução econômica para um problema que é de origem econômica. A restrição que existe ao Código Florestal atual não é porque os proprietários rurais são do mal ou porque os ambientalistas são doidos. É um problema que a gente chama em economia de custos de oportunidades da terra: o que se poderia fazer se a mata não fosse preservada. A conta que os caras fazem é: quanta soja, quanto boi eu poderia ter. O argumento da bancada ruralista é que não temos condição de bancar isso. É interessante a idéia de que, se existe um serviço, é possível receber por seu préstimo, mas a ideia que tem se passado é que eles só têm a receber. Só que um dos maiores beneficiários da conservação é o próprio setor agrícola. Principalmente sob o aspecto dos recursos hídricos. É um setor muito sensível ao problema da escassez. O grande barato seria ter o próprio setor agrícola pagando a si mesmo. Mas eles querem que o resto da sociedade pague. Só que já existem vários mecanismos de proteção econômica ao setor, sendo o mais importante deles o crédito agrícola. Quando se fala em pagamento por serviço ambiental, todo mundo é a favor. Só que isso pressupõe que alguém pague. Mas se ninguém pagar, ninguém vai receber.
 
Por que é preciso pagar?

Vamos pegar o exemplo da conta de luz. Uma parcela significativa das favelas no Rio de Janeiro não paga a conta. Isso é rebatido na de quem paga, para arcar com isso. A ideia dos pagamentos por serviços ambientais é a mesma coisa. Vai chegar um momento em que a crise do serviço ambiental pode chegar a tal volume que terão de encontrar uma solução. A forma mais eficiente de fazer isso é induzindo a conservação florestal em áreas onde o custo da terra seja mais barato e concentrando a atividade agrícola onde ela é mais produtiva, desde que a qualidade ambiental entre elas seja equivalente. Áreas de baixo custo não são de baixo interesse. Basicamente são as APPs, com declividade, áreas de pântano. Não tem muito o que fazer ali, mas tem potencial do ponto de vista ecológico. Só que é preciso ter incentivos para proteger essas áreas. O que não dá é para querer garantir ao mesmo tempo ocupação nas áreas de alta e de baixa produtividade.

Há dinheiro para bancar isso?

O equívoco é supor que o Estado vai bancar, quando o Estado é a sociedade, que já tem uma carga fiscal muito alta. O problema é que estamos numa situação de aquecimento global e de mudanças climáticas que podem trazer uma série de transtornos. Isso vai causar problema à própria atividade agrícola.

Mas, ao pôr esse mecanismo no Código Florestal, dando incentivo para o produtor manter Reserva Legal e APP, não é o mesmo que pagar para ele cumprir a lei?

Sim, mas não existem incentivos fiscais para uma série de setores simplesmente cumprirem a lei? Eu não vou entrar na questão do mérito da ética porque cumprir a lei é um argumento temporário - porque a lei muda. É exatamente o que estão fazendo agora: mudando a lei. O que é importante é que existe um problema concreto: qual é a maneira mais rápida de resolver o problema? O que acontece é que não se tem cumprido a lei a um custo alto para a sociedade. Pior é usar dinheiro de imposto pago pela população para financiar com crédito rural produtor que desmata ilegalmente.

É a comprovação de que só a fiscalização não tem dado certo?

Outro erro é achar que o PSA poderia substituir os mecanismos de comando e controle. Pelo contrário. O sistema só funcionará se existir um órgão de controle de gestão florestal eficiente que seja capaz de fazer cumprir a regra. Porque um sistema de PSA pressupõe que alguém vai pagar pelo serviço. Vai pagar quem está em déficit. E esse deficitário só vai pagar se for forçado. É o problema do mercado de carbono. A razão de sua existência é a obrigação imposta por um Estado de se cumprir uma meta. Mas se quem não cumpre não for penalizado, não funciona. O problema é que se o código excessivamente permitir flexibilizações e descaracterizar o poder de controle, por que alguém vai querer comprar?

Qual o impacto para o futuro?

Em termos de longo prazo temos de pensar em dois cenários possíveis. Ou os ruralistas estão certos e há um exagero por parte dos ambientalistas nos problemas que podem ser causados por causa do desmatamento - se for assim, eu e os demais vamos ficar condenados pela história por estarmos errados. Mas, se os serviços ambientais são de fato relevantes e a escassez desses serviços num mundo de mudança climática vai deixar tudo mais problemático, isso em alguma hora vai explodir. E, ao acontecer, será necessário tomar medidas mais drásticas. A premissa é a de que existe uma crise que vai se agravar no futuro.

Já há cálculos assim para o desmatamento?

Estudos feitos no Pará e em Mato Grosso pelo meu grupo mostram que em grandes áreas onde houve desmatamento para a expansão da pecuária e da soja, o custo social causado pelo desmatamento - medido apenas pelo carbono emitido com a queima da floresta - supera os ganhos que os agricultores tiveram com a expansão da fronteira agrícola. Mas como esses custos não foram internalizados, ou seja, os proprietários rurais não pagaram essa conta, deixando a pendura para todo o planeta, argumentam que foi um negócio lucrativo. Claro, para eles, privadamente, mas não para a sociedade. Esse problema é muito mais acentuado na expansão da pecuária extensiva, com baixíssima produtividade, em termos de animal por hectare queimado, mas que é responsável pela grande maioria dos desmatamentos. A soja é muito mais produtiva e por isso gera mais valor por hectare ocupado - seu principal efeito é indireto: ao elevar o preço da terra, induzem a venda ou arrendamento de pastagens, e os rebanhos se movem para novas pastagens, ou seja, áreas de floresta recém-queimadas.

Mas então você acha que não vai acontecer?

Em algum momento isso terá de acontecer, mas o problema é o setor rural querer manter um status de ocupação como se o mundo não tivesse mudado. É o mesmo argumento que eles tinham contra a abolição - que ia quebrar a agricultura. As primeiras propostas de abolição incluíam na discussão que os proprietários deveriam ser compensados. A Lei do Ventre Livre previa indenização ao dono. Estão protelando a questão ambiental como protelaram a escravidão. Mas tiveram de abolir, só que com 50 anos de atraso. E isso custou a desigualdade que o País enfrenta até hoje.
(O Estado de São Paulo)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Concursos Literários: Resultado - 8º Concurso Expresso das Letras

in de finitivo amar -  virgínia fulber


quando enamorados

no olhar cabe
universo de ternura

quando afeto acaba
de um lado
picos nevados
de outro, talvez asas


amor, maiúsculo
ou paixões
que escoam pelos dedos
vão-se com andorinhas
inaugurar verões
efêmeras amoras
flores de estação

é certo que do amor
pouco se sabe

quer-se bem querer
para bem ser
também estar
entre outros braços
para o vazio
de existir abrandar
seria amar?


o amor é egoísta ou
pressupõe desprendimento
aceitação irrestrita
sem preconceitos de berço
reza, cor, situação?

dos gregos herdamos
conceitos e de amor
entre eles ágape
que não nos cabe
dos enamorados eros
afrodite...

escolho a mim
para a ti acolher
em liberdade

que eleutéria(1) nos guie
que da amizade
do respeito a singularidade
ao amar quiçá...

Concursos Literários: Resultado - 8º Concurso Expresso das Letras:
CONVITE


Convidamos para receber a premiação do “Concurso Literário Expresso das Letras” a realizar-se às 19:30h do dia 02 de março de 2011, sexta-feira, no Solar dos Câmara, rua Rua Duque de Caxias, n° 968, no Centro Histórico de Porto Alegre. O Concurso foi idealizado por Benedito Saldanha em 2004 e é entregue anualmente aos autores das poesias premiadas.


Desde já aguardamos sua ilustre presença.
Porto Alegre, 24 de fevereiro de 2012
Benedito Saldanha Escritor e Ativista Cultural
Presidente da ALAPOA                            


1º Lugar:Primeiro Amor - Marina Martinez - 2º Lugar: Ressaca - Tatiana Alves Soares Caldas- 3º Lugar: Para Ti! - Veridiane da Rosa Gomes

Menções Honrosas:
Pão e Vinho - Ana Felicia Guedes Trindade
Confeitaria - Cris Dakinis
Sem Título - Denivaldo Piaia
Tempo,Vento e Amor – Francisca Messa
Policromia - Helena Rotta de Camargo
Presença - Iliane dos Santos Iglesias
Uma nova cor a um novo velho Amor - Julhana Pohlmann
Sentimento Sublime - Juliano Paz Dornelles
Eu - Karin Kreismann Carteri
Meu Arquivo Confidencial - Katia Chiappini
Ao Natural...- Letticia Cecy Correia
Palavras - Lúcia Barcelos
Quando o amor transforma - Marcelo Allgayer Canto
Essência - Rosalva Rocha
Sangrou - Rosangela Mariano
Aroma de Saudade - Sheila Felipe Farias
Amou de Doer - Sônia Machado
Angelical Espera - Teresinha de Lourdes da Costa
Meu Medo - Thábata Floriano Barbosa
In De Finitivo Amar - Virgínia Fulber
Ais - Zaira Maria Rodrigues
Mensagem dos organizadores:
Prezados (as)

Um pouco com atraso, mas estamos informando abaixo a relação das poesias vencedoras do Concurso Literário promovido pela Academia de Letras e Artes de Porto Alegre, sendo um dos mais tradicionais da capital. As poesias premiadas serão divulgadas no Jornal “Voz do Escritor” de março e farão parte de CD a ser ainda definido a sua gravação e edição através da busca de recursos.

As poesias premiadas receberão troféus e medalhas em cerimônia a ser realizada no inicio de março e aberta somente aos autores premiados e seus convidados.

Por fim, agradecemos a todos aqueles que participaram do concurso que atingiu o recorde de poesias inscritas (mais de 150, vindas de todo o país) e que vem sendo realizado há oito anos consecutivos, o que demonstra o nosso esforço e nossa dedicação em prol da literatura. Parabéns a todos que concorreram, pois ajudaram a FOMENTAR A LITERATURA E INCENTIVAR A POESIA, numa sociedade capitalista que precisa cada vez mais reaprender a ouvir os novos poetas e o que eles têm para dizer.

Forte abraço.
Benedito Saldanha
Escritor e Organizador do Concurso

*****************************************************************
(1) eleutería  termo grego equivalente a  liberdade, para este conceito no senso comum os gregos não possuíam uma palavra específica. Portanto Eleutería, indicava pertencer ao grupo social e ausência de submissão a outrem. [*] Livres eram os homens da polis que não eram escravos e partilhavam o poder, deliberando sobre os assuntos públicos. Eleutería não era ligada à vontade. Os homens eléuteros (livres) não eram identificados como tais por agirem segundo atos voluntários, mas sim porque ocupavam um certo status, um certo lugar na comunidade que os definia como tais. Seriam esperados os mesmos atos de qualquer um que tivesse determinado status: o eléuteros não podia escolher entre dirigir os cultos aos deuses privados e não dirigir; entre dar as ordens em seu oikos (lar- diferente de casa que é o espaço físico) e não dar; entre tomar parte nas deliberações públicas e não tomar. Era função dele fazer tudo isto, ele não fazia devido à sua vontade, da mesma forma que as mulheres e os menores tinham a submissão determinada pelo seu status. Evidência forte de que os gregos não concebiam que alguém fugisse do que lhe era determinado se encontra nas tragédias gregas, em que o herói luta obstinadamente contra seu destino, mas suas tentativas são fadadas ao fracasso: o destino se impõe inexoravelmente. Liberdade era igual à necessidade

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Folias modernas

Mudou o carnaval ou mudei eu?

Folias modernas

Vésperas de Carnaval. Passo pelas ruas de meu bairro na manhã do sábado dos primeiros blocos, uma semana antes da data estabelecida para o Carnaval. Vejo transeuntes “fantasiados”: dois chifrinhos de diabo, duas orelhinhas de Mickey Mouse na cabeça, uma fita dourada passada pela testa, lata indefectível de algum líquido na mão, um exército de vendedores de água mineral – produto na última moda de uns anos para cá - ou talvez de cerveja camuflada depois dos choques de ordem do prefeito, não sei. Só sei que homens e mulheres suam muito até chegar aos pontos de distribuição, paga e bem paga, é claro, e ganhar seu pão incrementado da época, enquanto os menos necessitados se divertem.
O tranzetê da praia para casa ou de casa para a praia não pára. Gente de todas as tonalidades e línguas se mesclam umas com as outras, quase se trombam.
- What is this? – pergunta o americano recém-chegado, espantado com a cor e a consistência do assaí do meu bar predileto, sorvido com delícia pela nova juventude ecológica. .
- It is very good, afirma o tradutor, em pronúncia péssima por sinal.
Meio atordoada, dirijo-me ao balconista simpático e bem vestido. Aliás, até o boteco passou a usar trajes de gala, por determinação do tal choque de ordem do prefeito – Leblon só pode ter comércio chique, viu, gente?
Peço um belo suco e converso com o moço, conhecido de outros carnavais.
- Você já comprou seus chifrinhos ou suas orelhinhas ou sua gravatinha dourada para se fantasiar daqui a pouco? Eu encomendei os meus, mas ainda não os trouxeram. Você sabe, coroa tem que caprichar, né mesmo? É mesmo. Fantasia da Zona Sul do Rio de Janeiro é isso aí.
Penso no tipo de folia de hoje, tão distinta das muitas que vivi, mesmo depois de casada e mãe de família. Em que baú ficaram as fantasias coloridas completas ou improvisadas com bastante arte? Onde se esconderam os homens-homens vestidos de mulher, com trajes emprestados pelas irmãs ou pela mãe, tamanco de português nos pés? Em que parte da cidade vou encontrar os tambores, pandeiros e tamborins mal batidos dos foliões sem nenhum jeito para o samba, mas com muito orgulho e devoção? Em que lugar recôndito ficou minha gente que se reunia no Clube do Samba, de João Nogueira, lá na Avenida Rio Branco, ao primeiro apito para cair na farra? E as serpentinas e os confetes inevitavelmente sujos de água da chuva, formando um lixo que dava gosto de ver? E a lança-perfume rodo metálico ou de vidro mesmo que eu adorava usar em criança como perfume francês de belas damas e cheirar bem de leve, pois ir fundo meus pais não deixavam porque a gente desmaiava e ia para o hospital? E as marchinhas debochadas com delicadeza, decoradas com meses de antecedência, para não darmos bobeira na hora? E o samba dos blocos mais selecionados porque mais família, igualmente aprendidos com a antecedência de hinos de procissão da igreja católica: Queremos Deus, homens ingratos... Ave, Ave Ave-Maria... e tantos outros que entoávamos pelas ruas de Niterói nos dias santos, e mesmo depois, no Rio, sem nenhum pudor de mostrar nosso credo a quantos nos viam passar? Sem perceber o preconceito, entoávamos convictos, sorridentes: Olha a cabeleira do Zezé/ Será que ele é..., fazíamos crítica aos governos: Maria Candelária é alta funcionária/... começa ao meio-dia, coitada da Maria, trabalha, trabalha, trabalha de fazer dóóóóó... Ou, até mesmo, deixávamos fluir o romantismo meloso: Todos eles estão errados, a lua é dos namorados, à época da posse da lua pelo homem.
Mudou o Carnaval ou mudei eu? O negócio é que, como tudo mais do mundo moderno, as transformações são rápidas e profundas. Antes, era o Nosso Carnaval bem brasileiro; hoje é o de toda a gente que não resiste a uma propaganda bem feita. De dentro do país, de outros estados, ou de fora. Sobretudo, depois da Era Lula que colocou o Brasil nas alturas. Com alguma razão, reconheço.
Ainda não cheguei ao ponto de cantar como em cântico fúnebre: Agora é cinza/ tudo acabado e nada mais. Sou otimista, sempre.

Maria Lindgren

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Folias modernas-Maria Lindgren



Vésperas de Carnaval. Passo pelas ruas de meu bairro na manhã do sábado dos primeiros blocos, uma semana antes da data estabelecida para o Carnaval. Vejo transeuntes “fantasiados”: dois chifrinhos de diabo, duas orelhinhas de Mickey Mouse na cabeça, uma fita dourada passada pela testa, lata indefectível de algum líquido na mão, um exército de vendedores de água mineral – produto na última moda de uns anos para cá - ou talvez de cerveja camuflada depois dos choques de ordem do prefeito, não sei. Só sei que homens e mulheres suam muito até chegar aos pontos de distribuição, paga e bem paga, é claro, e ganhar seu pão incrementado da época, enquanto os menos necessitados se divertem.

O tranzetê da praia para casa ou de casa para a praia não pára. Gente de todas as tonalidades e línguas se mesclam umas com as outras, quase se trombam.

- What is this? – pergunta o americano recém-chegado, espantado com a cor e a consistência do assaí do meu bar predileto, sorvido com delícia pela nova juventude ecológica. 

- It is very good, afirma o tradutor, em pronúncia péssima por sinal.

Meio atordoada, dirijo-me ao balconista simpático e bem vestido. Aliás, até o boteco passou a usar trajes de gala, por determinação do tal choque de ordem do prefeito – Leblon só pode ter comércio chique, viu, gente?

Peço um belo suco e converso com o moço, conhecido de outros carnavais.

- Você já comprou seus chifrinhos ou suas orelhinhas ou sua gravatinha dourada para se fantasiar daqui a pouco? Eu encomendei os meus, mas ainda não os trouxeram. Você sabe, coroa tem que caprichar, né mesmo? É mesmo. Fantasia da Zona Sul do Rio de Janeiro é isso aí.

Penso no tipo de folia de hoje, tão distinta das muitas que vivi, mesmo depois de casada e mãe de família. Em que baú ficaram as fantasias coloridas completas ou improvisadas com bastante arte? Onde se esconderam os homens-homens vestidos de mulher, com trajes emprestados pelas irmãs ou pela mãe, tamanco de português nos pés? Em que parte da cidade vou encontrar os tambores, pandeiros e tamborins mal batidos dos foliões sem nenhum jeito para o samba, mas com muito orgulho e devoção? Em que lugar recôndito ficou minha gente que se reunia no Clube do Samba, de João Nogueira, lá na Avenida Rio Branco, ao primeiro apito para cair na farra? E as serpentinas e os confetes inevitavelmente sujos de água da chuva, formando um lixo que dava gosto de ver? E a lança-perfume rodo metálico ou de vidro mesmo que eu adorava usar em criança como perfume francês de belas damas e cheirar bem de leve, pois ir fundo meus pais não deixavam porque a gente desmaiava e ia para o hospital? E as marchinhas debochadas com delicadeza, decoradas com meses de antecedência, para não darmos bobeira na hora? E o samba dos blocos mais selecionados porque mais família, igualmente aprendidos com a antecedência de hinos de procissão da igreja católica: Queremos Deus, homens ingratos... Ave, Ave Ave-Maria... e tantos outros que entoávamos pelas ruas de Niterói nos dias santos, e mesmo depois, no Rio, sem nenhum pudor de mostrar nosso credo a quantos nos viam passar? Sem perceber o preconceito, entoávamos convictos, sorridentes: Olha a cabeleira do Zezé/ Será que ele é..., fazíamos crítica aos governos: Maria Candelária é alta funcionária/... começa ao meio-dia, coitada da Maria, trabalha, trabalha, trabalha de fazer dóóóóó... Ou, até mesmo, deixávamos fluir o romantismo meloso: Todos eles estão errados, a lua é dos namorados, à época da posse da lua pelo homem.

Mudou o Carnaval ou mudei eu? O negócio é que, como tudo mais do mundo moderno, as transformações são rápidas e profundas. Antes, era o Nosso Carnaval bem brasileiro; hoje é o de toda a gente que não resiste a uma propaganda bem feita. De dentro do país, de outros estados, ou de fora. Sobretudo, depois da Era Lula que colocou o Brasil nas alturas. Com alguma razão, reconheço.

Ainda não cheguei ao ponto de cantar como em cântico fúnebre: Agora é cinza/ tudo acabado e nada mais. Sou otimista, sempre.
            Maria Lindgren- contato m-lindgren@uol.com.br
******************************************************************
Tx. recebido por @ através do Grupo VMD,  da autora, espero que aprecie a Ilustração - do artista  Cândido Portinari-Carnaval-1960

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012