terça-feira, 3 de janeiro de 2012

LINGUAGENS - Outro paradigma: escutar a natureza- Leonardo Boff & + Sobre os Aimaras sua lingua por Carlos Amaral Freire abaixo



Outro paradigma: escutar a natureza
       Leonardo Boff -
                         Teólogo &  Filósofo


Agora que se aproximam grandes chuvas, inundações, temporais, furacões e deslizamentos de encostas temos que reaprender a escutar a natureza. Toda nossa cultura ocidental, de vertente grega, está assentada sobre o ver. Não é sem razão que a categoria central – idéia – (eidos em grego) significa visão. A tele-visão é sua expressão maior. Temos desenvolvido até os últimos limites a nossa visão. Penetramos com os telescópios de grande potência até a profundidade do universo para ver as galáxias mais distantes. Descemos às derradeiras partículas elementares e ao mistério íntimo da vida. O olhar é tudo para nós. Mas devemos tomar consciência de que esse é o modo de ser do homem ocidental e não de todos.

Outras culturas, como as próximas a nós, as andinas (dos quéchuas e aimaras* e outras) se estruturam ao redor do escutar. Logicamente eles também veem. Mas sua singularidade é escutar as mensagens daquilo que veem. O camponês do antiplano da Bolívia me diz: “eu escuto a natureza, eu sei o que a montanha me diz”. Falando com um xamã, ele me testemunha: “eu escuto a Pachamama e sei o que ela está me comunicando”. Tudo fala: as estrelas, o sol, a lua, as montanhas soberbas, os lagos serenos, os vales profundos, as nuvens fugidias, as florestas, os pássaros e os animais. As pessoas aprendem a escutar atentamente estas vozes. Livros não são importantes para eles porque são mudos, ao passo que a natureza está cheia de vozes. E eles se especializaram de tal forma nesta escuta que sabem, ao ver as nuvens, ao escutar os ventos, ao observar as lhamas ou os movimentos das formigas o que vai ocorrer na natureza.

Isso me faz lembrar uma antiga tradição teológica elaborada por Santo Agostinho e sistematizada por São Boaventura na Idade Media: a revelação divina primeira é a voz da natureza, o verdadeiro livro falante de Deus. Pelo fato de termos perdido a capacidade de ouvir, Deus, por piedade, nos deu um segundo livro que é a Bíblia para que, escutando seus conteúdos, pudéssemos ouvir novamente o que a natureza nos diz.

Quando Francisco Pizarro em 1532 em Cajamarca, mediante uma cilada traiçoeira, aprisionou o chefe inca Atahualpa, ordenou ao frade dominicano Vicente Valverde que com seu intérprete Felipillo lhe lesse o requerimento,um texto em latim pelo qual deviam se deixar batizar e se submeter aos soberanos espanhóis, pois o Papa assim o dispusera. Caso contrário poderiam ser escravizados por desobediência. O inca lhe perguntou donde vinha esta autoridade. Valverde entregou-lhe o livro da Bíblia. Atahaualpa pegou-o e colocou ao ouvido. Como não tivesse escutado nada jogou a Bíblia ao chão. Foi o sinal para que Pizarro massacrasse toda a guarda real e aprisionasse o soberano inca. Como se vê, a escuta era tudo para Atahualpa. O livro da Bíblia não falava nada.

Para a cultura andina tudo se estrutura dentro de uma teia de relações vivas, carregadas de sentido e de mensagens. Percebem o fio que tudo penetra, unifica e dá significação. Nós ocidentais vemos as árvores mas não percebemos a floresta. As coisas estão isoladas umas das outras. São mudas. A fala é só nossa. Captamos as coisas fora do conjunto das relações. Por isso nossa linguagem é formal e fria. Nela temos elaborado nossas filosofias, teologias, doutrinas, ciências e dogmas. Mas esse é o nosso jeito de sentir o mundo. E não é de todos os povos.

Os andinos nos ajudam a relativizar nosso pretenso “universalismo”. Podemos expressar as mensagens por outras formas relacionais e includentes e não por aquelas objetivísticas e mudas a que estamos acostumados. Eles nos desafiam a escutar as mensagens que nos vem de todos os lados.

Nos dias atuais devemos escutar o que as nuvens negras, as florestas das encostas, os rios que rompem barreiras, as encostas abruptas, as rochas soltas nos advertem. As ciências na natureza nos ajudam nesta escuta. Mas não é o nosso hábito cultural captar as advertências daquilo que vemos. E então nossa surdez nos faz vitimas de desastres lastimáveis. Só dominamos a natureza, obedecendo-a, quer dizer, escutando o que ela nos quer ensinar. A surdez nos dará amargas lições.

Veja meu livro O Casamento do Céu com a Terra: mitos ecológicos indígenas, Moderna, São Paulo 2004.
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*Grifos meus-ilustração - Los aymarás(aimaras) construyen un barco de caña

- Leonardo Boff é Colaborador do Canal de Filosofia do Espaço Ecos - Portal VMD

* Sobre lingua  Iamara

" JC- Na Bolívia, encontraste um futuro "não-aristotélico" no aimara. Conta melhor essa descoberta.

Carlos A. Freire - Durante minha longa estada (dez anos) na Bolívia, onde dirigi o Centro de Estudos Brasileiros em La Paz, nomeado pelo Itamaraty, tratei logo de estudar as línguas altiplânicas, com falantes nativos. Essa experiência me foi muito valiosa, pois pouco mais tarde fui convidado a lecionar Lingüística Contrastiva na Universidade Mayor de San Andrés, em La Paz. Foi comparando as estruturas lingüísticas dessas línguas com várias outras, indo-européias ou não, que cheguei a algumas conclusões interessantes sobre as notáveis semelhanças fonéticas delas com as línguas caucásicas e das características estruturais com as línguas altaicas.
Quanto ao aimara, como demonstrou cabalmente o matemático e aimarista boliviano Guzmán de Rojas, "existe uma lógica lingüística diferente, não-aristotélica, claramente incorporada na sintaxe dessa língua".

A comunicação deficiente, ou melhor, o desentendimento multissecular entre os indígenas e os conquistadores e seus descendentes explica-se, em grande parte, devido a sua diferente cosmovisão que, no caso dos aimaras, reflete-se nitidamente em sua sintaxe através de morfemas especiais bem definidos. Nós que falamos línguas indo-européias estamos imbuídos da concepção aristotélica, dicotômica, de verdadeiro X falso, certo X errado, sim X não, e temos certa dificuldade em aceitar ou compreender a concepção trivalente: certo-errado-verossímil, do aimara, onde a ambigüidade ou o terceiro não incluído tem valor de verdade.
A fim de tornar mais claro o tipo de lógica trivalente do aimara usarei dois exemplos da notável monografia de Guzmán de Rojas, Problemática Lógico-lingüística de la Comunicación Social en el Pueblo Aimara. Quando um falante nativo aimara, expressando-se em espanhol, diz: "- Mañana he de venir nomás", as palavras usadas não coincidem com o significado que as mesmas têm em espanhol, ou teriam em português. A expressão "nomás", muito típica do espanhol popular da Bolívia e do Peru, em situações semelhantes, revela, na verdade, o pensamento aimara maltraduzido ao espanhol. Em sua língua materna usaria a frase: "- Qharürux jutätki", onde o morfema "ki" traduz ou expressa a dúvida simétrica, o terceiro valor da verdade, o que simplesmente não existe em nossas línguas. Usa, pois, a expressão 'nomás" para traduzir o sufixo "ki", indicativo apenas de verosimilhança.
Na realidade, ele quer dizer o seguinte: "amanhã pode ser que eu venha ou pode ser que eu não venha. Não estou me compromentendo". Quando diz, porém "- Mañana he de venir pues", usa o "pues" para traduzir o sufixo "pi" do aimara, que indica certeza. Assim, "- Qharüru jutätpi" é a forma aimara que corresponderia ao nosso "- Amanhã eu virei certamente, me comprometi". Vemos, portanto, que o aimara tem um futuro positivo, um futuro negativo e um futuro de dúvida simétrica. Assim que, se os nossos políticos falassem em aiamara, teriam de escolher bem o tipo de futuro a que se referem.
Andei pesquisando sobre o Guzmán de Rojas. Não sei se sabes, mas ele criou o Qopuchawi, um ICQ que traduz instantaneamente mensagens a seis idiomas.
Durante minha longa estada em La Paz, tive o privilégio de fazer amizade com Guzmán de Rojas e de acompanhar, de perto, o seu projeto. E sabes qual é a língua que usa como base para a tradução das restantes cinco? É o aimara, uma língua aglutinante de extraordinária regularidade sufixal.


Tens um estudo sobre as afinidades fonológicas entre o aimara e as línguas caucásicas, publicado pela Universidade de Sucre e traduzido ao russo....." Carlos  Amaral Freire , o maior poliglota vivo no Brasil em entrevista à Janer Cristaldo , esta entrevista - pode ser lida em seu livro Babel de Poemas  e no link http://www.blogger.com/goog_1149156705 Na realidade, a capacidade de Freire é traduzir, COM ou SEM DICIONÁRIO, textos nas 115 línguas que estudou. Carlos foi reconhecido pela Universidade de Cambridge, Inglaterra, que lhe conferiu o certificado dos 2001 homens mais surpreendentes do século XX. Um homem desse merecia até ser um “Globo Repórter” especial. Lista das 115 línguas estudadas pelo professor Freire( hoje mais de 120!)

Videos no Youtube http://www.youtube.com/watch?v=ReMlJbyfFIY


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