sábado, 18 de fevereiro de 2012

Folias modernas-Maria Lindgren



Vésperas de Carnaval. Passo pelas ruas de meu bairro na manhã do sábado dos primeiros blocos, uma semana antes da data estabelecida para o Carnaval. Vejo transeuntes “fantasiados”: dois chifrinhos de diabo, duas orelhinhas de Mickey Mouse na cabeça, uma fita dourada passada pela testa, lata indefectível de algum líquido na mão, um exército de vendedores de água mineral – produto na última moda de uns anos para cá - ou talvez de cerveja camuflada depois dos choques de ordem do prefeito, não sei. Só sei que homens e mulheres suam muito até chegar aos pontos de distribuição, paga e bem paga, é claro, e ganhar seu pão incrementado da época, enquanto os menos necessitados se divertem.

O tranzetê da praia para casa ou de casa para a praia não pára. Gente de todas as tonalidades e línguas se mesclam umas com as outras, quase se trombam.

- What is this? – pergunta o americano recém-chegado, espantado com a cor e a consistência do assaí do meu bar predileto, sorvido com delícia pela nova juventude ecológica. 

- It is very good, afirma o tradutor, em pronúncia péssima por sinal.

Meio atordoada, dirijo-me ao balconista simpático e bem vestido. Aliás, até o boteco passou a usar trajes de gala, por determinação do tal choque de ordem do prefeito – Leblon só pode ter comércio chique, viu, gente?

Peço um belo suco e converso com o moço, conhecido de outros carnavais.

- Você já comprou seus chifrinhos ou suas orelhinhas ou sua gravatinha dourada para se fantasiar daqui a pouco? Eu encomendei os meus, mas ainda não os trouxeram. Você sabe, coroa tem que caprichar, né mesmo? É mesmo. Fantasia da Zona Sul do Rio de Janeiro é isso aí.

Penso no tipo de folia de hoje, tão distinta das muitas que vivi, mesmo depois de casada e mãe de família. Em que baú ficaram as fantasias coloridas completas ou improvisadas com bastante arte? Onde se esconderam os homens-homens vestidos de mulher, com trajes emprestados pelas irmãs ou pela mãe, tamanco de português nos pés? Em que parte da cidade vou encontrar os tambores, pandeiros e tamborins mal batidos dos foliões sem nenhum jeito para o samba, mas com muito orgulho e devoção? Em que lugar recôndito ficou minha gente que se reunia no Clube do Samba, de João Nogueira, lá na Avenida Rio Branco, ao primeiro apito para cair na farra? E as serpentinas e os confetes inevitavelmente sujos de água da chuva, formando um lixo que dava gosto de ver? E a lança-perfume rodo metálico ou de vidro mesmo que eu adorava usar em criança como perfume francês de belas damas e cheirar bem de leve, pois ir fundo meus pais não deixavam porque a gente desmaiava e ia para o hospital? E as marchinhas debochadas com delicadeza, decoradas com meses de antecedência, para não darmos bobeira na hora? E o samba dos blocos mais selecionados porque mais família, igualmente aprendidos com a antecedência de hinos de procissão da igreja católica: Queremos Deus, homens ingratos... Ave, Ave Ave-Maria... e tantos outros que entoávamos pelas ruas de Niterói nos dias santos, e mesmo depois, no Rio, sem nenhum pudor de mostrar nosso credo a quantos nos viam passar? Sem perceber o preconceito, entoávamos convictos, sorridentes: Olha a cabeleira do Zezé/ Será que ele é..., fazíamos crítica aos governos: Maria Candelária é alta funcionária/... começa ao meio-dia, coitada da Maria, trabalha, trabalha, trabalha de fazer dóóóóó... Ou, até mesmo, deixávamos fluir o romantismo meloso: Todos eles estão errados, a lua é dos namorados, à época da posse da lua pelo homem.

Mudou o Carnaval ou mudei eu? O negócio é que, como tudo mais do mundo moderno, as transformações são rápidas e profundas. Antes, era o Nosso Carnaval bem brasileiro; hoje é o de toda a gente que não resiste a uma propaganda bem feita. De dentro do país, de outros estados, ou de fora. Sobretudo, depois da Era Lula que colocou o Brasil nas alturas. Com alguma razão, reconheço.

Ainda não cheguei ao ponto de cantar como em cântico fúnebre: Agora é cinza/ tudo acabado e nada mais. Sou otimista, sempre.
            Maria Lindgren- contato m-lindgren@uol.com.br
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Tx. recebido por @ através do Grupo VMD,  da autora, espero que aprecie a Ilustração - do artista  Cândido Portinari-Carnaval-1960