"...Isso me reporta ao comentário cínico de
Napoleão depois da batalha de Eylau ao ver milhares de soldados mortos sobre a
neve:” Uma noite de Paris compensará tudo isso”. Eles continuam recitando o
credo: um pouco mais do mesmo, de economia
e já sairemos da crise. É possível o pacto entre o cordeiro(ecologia) e
o lobo(economia)? Tudo indica que é impossível....)
O impossível pacto entre o lobo e o
cordeiro
Leonardo Boff
Teólogo/Filósofo
Post Festum, podemos dizer: o documento final da Rio+20 apresenta
um cardápio generoso de sugestões e de propostas, sem nenhuma obrigatoriedade,
com uma dose de boa vontade comovedora mas com uma ingenuidade analítica
espantosa, diria até, lastimável. Não é uma bússula que aponta para o “futuro
que queremos” mas para a direção de um abismo. Tal resultado pífio se tributa à
crença quase religiosa de que a solução da atual crise sistêmica se encontra no
veneno que a produziu: na economia. Não se trata da economia num sentido
transcendental, como aquela instância, pouco importam os modos, que garante as
bases materiais da vida. Mas da economia categorial, aquela realmente existente
que, já há muito tempo, deu um golpe a todas as demais instâncias (à política,
à cultura e à ética) e se instalou, soberana, como o único motor que faz andar
a sociedade. É a “Grande Transformação” denunciada ainda em 1944 pelo grande economista húngaro-norteamericano Karl Polanyi.
Este tipo de economia cobre todos os espaços da vida, se propõe acumular
riqueza a mais não poder, tirando de todos os ecossistemas, até à sua exaustão,
tudo o que seja comercializável e consumível, se regendo pela mais feroz
competição. Esta lógica desequilibrou todas as relações para com a Terra e
entre os seres humanos.
Face
a este caos Ban Ki Moon, Secretário Geral da ONU, não se cansa de repetir na
abertura das Conferências: estamos diante das últimas chances que temos de nos
salvar. Enfaticamente em 2011 em Davos diante dos “senhores do dinheiro e da
guerra econômica”declarou:”O atual modelo econômico mundial é um pacto de
suicídio global”. Albert Jacquard, conhecido geneticista francês, intitulou
assim um de seus últimos livros:”A contagem regressiva já começou?”(2009). Os
que decidem não dão a mínima atenção aos alertas da comunidade científica
mundial. Nunca se viu tamanha descolagem entre ciência e política e também
entre ética e economia como atualmente. Isso me reporta ao comentário cínico de
Napoleão depois da batalha de Eylau ao ver milhares de soldados mortos sobre a
neve:” Uma noite de Paris compensará tudo isso”. Eles continuam recitando o
credo: um pouco mais do mesmo, de economia
e já sairemos da crise. É possível o pacto entre o cordeiro(ecologia) e
o lobo(economia)? Tudo indica que é impossível.
Podem
agregar quantos adjetivos quiserem a este tipo vigente de economia,
sustentável, verde e outros, que não lhe mudarão a natureza. Imaginam que limar
os dentes do lobo lhe tira a ferocidade, quando esta reside não nos dentes mas
em sua natureza. A natureza desta economia é querer crescer sempre, a despeito da devastação da natureza e da vida. Não
crescer é prescrever a própria morte. Ocorre que a Terra não aquenta mais esse
assalto sistemático a seus bens e serviços. Acresce a isso a injustiça social,
tão grave quanto a injustiça ecológica. Um rico médio consome 16 vezes mais que
um pobre médio. Um africano tem trinta anos a menos de expectativa de vida que
um europeu (Jaquard, 28).
Face
a tais crimes como não se indignar e não exigir uma mudança de rumo? A Carta
da Terra nos oferece uma direção segura :”Como nunca antes na história, o
destino comum nos conclama a buscar um novo começo. Isto requer uma mudança na
mente e no coração; requer um novo sentido de interdependência global e de
responsabilidade universal...para alcançarmos um modo sustentável de vida nos
níveis local, nacional, regional e global”(final). Mudar a mente implica um novo olhar sobre a Terra não como o
“mundo-máquina” mas como um organismo
vivo, a Terra-mãe a quem cabe respeito e cuidado. Mudar o coração significa superar a ditadura da razão técnico-científica e
resgatar a razão sensível onde reside o sentimento profundo, a paixão pela
mudança e o amor e o respeito a tudo o que existe e vive. No lugar da
concorrência, viver a interdependência global, outro nome para a cooperação e
no lugar da indiferença, a responsabilidade universal, quer dizer, decidir enfrentar juntos o risco global.
Valem
as palavras do Nazareno:”Se não vos converterdes, todos perecereis”(Lc 13,5).
Leonardo Boff é autor de Proteger a Terra-cuidar da vida.Como evitaro fim do mundo, Record 2011.
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Texto recebido por EMail do Autor para leitura e divulgação, este é Colaborador do Canal de Filosofia do Espaço Ecos Portal VMD
Ilustração obra do Atista Marciano Schmitz http://www.facebook.com/marciano.schmitz